quinta-feira, 19 de abril de 2018

Público e Fingido

Sentado num restaurante a comer um bom cozido à portuguesa vou ouvindo a discussão entre uma mãe septuagenária e um filho, na casa dos quarenta.
O pai dela terá sido um grande escritor.
Uma figura pública.
Ele, o neto, confronta a mãe, sobre a vida privada do escritor.
Ela apercebe-se que durante a sua vida toda misturou o homem público com o homem privado. 
O homem público, reconhecido, cheio de virtudes, activista político preso pela PIDE. O homem privado para ela era a continuação disto tudo.
Um virtuoso. Um ídolo.
O neto confronta a mãe com histórias reais de traição amorosa, falhas humanas, erros.
Ou seja o homem real.
A mãe de nada soube. De nada percebeu. Nada ouviu.
O filho chocado.

Às vezes é uma opção nossa para lidar com o brilho de um próximo, ausentar-nos da vida privada dele e vivermos apenas a sua vida pública. São caminhos, que se escolhem como fuga à realidade.
Pensa-se muitas vezes “sou o único a ver a verdade?” quando todos à volta me mostram evidências da magnanimidade de tal criatura?!

“Ou estarei errado e verei apenas minudências?”
A multidão grita "Estás errado!!!" e nós - e a mãe septuagenária - convencemos-nos que estamos errados.

Ou fingimos uma vida toda.

3 comentários:

  1. "I'm not in love with you, i'm in love with your potential" (Danielle Bradbery - Potential)

    É basicamente isto. Mais do que a pessoa, a mulher estava apaixonada pela ideia da pessoa que ela tinha, do que acreditava que aquele homem podia ser, que provavelmente foi para ela numa etapa embrionária das suas vidas.

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  2. Eu penso que não existe ingenuidade no SER. Exige sim uma grande hipocrisia ao fingir que nada sabe ... No final vida apresenta a conta de tanta insensatez ...

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  3. Mas também não há verdades absolutas. Seja para o público, seja para o fingido.

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