quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Apagado

Há sete anos atrás Ele foi ter com o pai e disse que era homossexual.
Numa conversa com os dois a olhar para a TV, o pai disse-lhe que achava a homossexualidade uma coisa anormal, que ele era um homem à antiga, machista mulherengo e que não percebia a questão.
Mas que como pai, iria continuar a amá-lo.
E só mais uma coisa: não tragas o rapaz (eu) para as coisas de família.
Ele chegou a casa, furibundo e revoltado.
Tive que dizer para ter calma, que as coisas constroem-se aos poucos, que o pai dele é de outra geração e que não pode querer mudar o mundo numa simples conversa.

Os meses e anos foram passando.

Ele nunca deixou de me levar quando ia visitar a família, nos aniversários (inclusive do senhor) eu estava sempre presente, nas Páscoas e Carnavais da vida idem. Ou seja, estava sempre por lá. 
A maior parte das vezes, preteri os meus amigos, para nos fim‑de‑semana ir visitar a família d'Ele.
Nunca me arrependi. Fazia-o por Ele. E voltaria a fazer.
Sei que o deixava feliz e ele merecia. E Ele fazia o mesmo por mim. 
Mas havia um tabu. 

O Natal.

Cobarde como o senhor é e nunca directo, mais ou menos há quatro anos atrás, enviou-me o convite pela mulher para ir passar o Natal com eles, pois coitado de mim estava sozinho com a mãe.
No ano seguinte voltou a repetir-se o convite por interposta pessoa.
Há dois anos atrás no dia 24 de Dezembro, à hora de almoço, recebo um telefonema do meu sogro.
Ele estava dentro do carro, sozinho, e precisava falar comigo.
Glup
Balbuciou, engasgou-se e a muito custo disse que gostava muito de mim, mas acima de tudo ainda mais do filho. E que tinha muito prazer em me convidar para a consoada e ficar a pernoitar em casa dele (outro tabu antigo mas claro que não dormi com Ele) com a minha mãe para passarmos o 25 todos juntos.
Com uma condição: a conversa era só nossa e ficaria entre nós.
Claro que não ficou. Lol
O último tabu tinha desaparecido, e a vida continuou.

Até ontem.

Há muito tempo que o meu sogro dizia que devíamos falar com uma amiga hippie dele. Uma francesa, das mulheres mais ricas da França, que vive em Portugal desde muito nova, que nos podia ajudar profissionalmente.
O jantar aconteceu ontem.
E eu não fui convidado.
Silêncio total.
Ele não se espantou. Afinal é o pai a organizar um jantar com amigos dele. E o problema não está nos amigos hippies dele. Está mesmo na cabeça do meu sogro, e ontem percebi que não vai mesmo mudar.
Senti que me apagaram com uma borracha.
Senti-me como se faz ao lixo em casas mal resolvidas.
Varre-se para debaixo do tapete.
E deixa-se lá ficar, para não incomodar muito.









6 comentários:

  1. Tem calma. As coisas são como são. Uma vez uma psicóloga no exército (no dia que fui à inspecção) disse-me: você tem problemas com o seu pai e que, com algum trabalho, iria conseguir resolver o problema.

    Fiquei a olhar para ela, feito parvo, e pensei "está bem filha".

    Entretanto ela diz-me: sabe, imagine uma pessoa com dificuldades de aprendizagem e que você a todo custo quer ensinar a mexer num computador, mas por mais que tente ensinar, ela não aprende, não porque não queira, mas porque não consegue mesmo.

    Isto em 2003. De lá para cá, sempre que discutia com o meu pai, lembrava-me desta conversa e a verdade é que isso me acalmava e percebia, que por mais diferentes que fôssemos, a questão não era se ele queria ou não mudar, mas sim, se era capaz disso ou não. E acho, muito sinceramente, que o meu pai, tendo em conta aquilo que é e as experiências de vida que teve mesmo que queira, há coisas que não consegue mudar ou aprender. Com o teu "sogro" acho que passará o mesmo... não acredito que não queira mudar, mas há coisas que por mais que se esforce não consegue mesmo. Eu sei que é fácil falar, e é difícil não ficar magoado, mas há coisas que nunca irão mudar e quanto mais depressa aceitarmos isso, mais resolvidos ficamos.

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    1. Mas eu como sou um crente, e estas coisas FELIZMENTE são-me estranhas, fico assim....perdido, triste. Mas isto é uma pedrinha no meu sapato da paneleirice. Eu acho que vivo num mundo rosa. Que sei que poderá ser sorte, mas também sempre fiz para que assim fosse.

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  2. Nunca tive este tipo de problemas nem com a minha nem com a família do marido. Acho que fizeste bem em aceitar pelo namorado, mas acho q já está na hora dele entender isto e eu não iria mais à casa da família dele ... aposto que o sogro vai entender o recado e, provavelmente mudará ... ou não ...

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    1. Deixar de ir familia dele nem pensar. O problema é uma unica pessoa. O pai. Como o qual ele ao longo dos anos se tem vindo a desligar emocionalmente, não apenas por causa disto. O pai dele agora é um progenitor, apenas isso. O deixar de ir, significaria deixar de vermos a mãe dele que amamos e os sobrinhos, irmã etc.
      O que não se justifica que aconteça e era dar demasiada relevancia ao senhor.

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  3. Eu sei que custa e dói mas tenta não valorizar isso. Um dia, esse senhor ainda poderá vir a precisar de ti. a vida é feita deste tipo de rasteiras :P

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    1. Já precisou, precisa, e claro que vai precisar. E vai ser o genro panilas que o vai ajudar. Os outros tá quieto...

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